O Memorial do Holocausto e a importância de jamais calar
A nossa memória é composta de informações e fatos obtidos por meio de experiências, coisas que ouvimos ou que vivemos. A memória, segundo estudiosos, é a base do conhecimento e necessita de trabalho e estímulo. É a memória que nos torna capazes de dar significado aos acontecimentos do cotidiano e acumular experiências para utilizar durante a vida.
Nas minhas últimas férias visitei um lugar chamado “Memorial do Holocausto”, em Washington DC. Este memorial fica na região do National Mall e é um Museu.
Nas minhas últimas férias visitei um lugar chamado “Memorial do Holocausto”, em Washington DC. Este memorial fica na região do National Mall e é um Museu.
WIFI do Museu, Senha: lembrar (a senha é sensível à causa) |
O local tem a palavra “Memorial” no nome e, não é à toa, pois ele é todo pensado para fazer o visitante refletir, pensar, lembrar. A senha do wi-fi é “remember”.
O espaço é dividido em ambientes distintos, no andar superior há um memorial geral dos acontecimentos históricos do período do Holocausto. No subterrâneo é contada a história apresentando a perspectiva de pessoas comuns.
Para visitar a parte superior do memorial, sugere-se que você pegue um “passaporte” no saguão de entrada, antes de entrar no elevador. Existe uma pilha de passaportes, cada um deles com a história de alguma pessoa “comum”, uma pessoa real, que viveu de verdade naquele período histórico. Todos os dados que constam nos passaportes são resultado de pesquisas de historiadores. Você é convidado a pegar um passaporte, a “ser” aquela pessoa durante a visita. A indicação é de que você vá “folheando” o passaporte conforme vai andando pelos ambientes, que contam a história na ordem cronológica dos acontecimentos. Desta forma você acompanha os eventos políticos e históricos daquele período, enquanto vai descobrindo o que aconteceu na vida daquela pessoa “comum” em cada período.
Na parte subterrânea, por sua vez, a história é contada apresentando relatos de outras pessoas comuns, mostrando como era a vidas nas pequenas comunidades, como se deu a ascensão da ideologia ao longo dos anos até culminar nos acontecimentos trágicos que conhecemos.
Eu, você e a maioria das pessoas escolarizadas conhece a história, sabe o que foi o holocausto e se sente horrorizado com esse período da história humana.
Ocorre que, geralmente, a nossa forma de pensar a história é distanciada, mesmo porque tudo ficou no passado e, hoje, ao olhar para trás, é fácil identificar os “mocinhos” e “vilões”. Pensamos no passado quase sempre com julgamento, certos de que nós mesmos jamais seriamos coniventes com algo desse tipo.
E é nesse ponto que este Memorial te faz olhar para os acontecimentos de um jeito diferente. É incrível como quem pensou este lugar conseguiu fazer essa experiência se tornar um momento solene, em que é impossível não se sentir tocado pelo sofrimento destas inúmeras vidas humanas e, ao mesmo tempo, coloca-nos na desconfortável situação de compreender que as pessoas contemporâneas a tais acontecimentos de certa forma permitiram, toleraram e eventualmente contribuíram para que aquilo se instaurasse. O intrigante é perceber isso de uma forma não óbvia, não maniqueísta, levando-nos a pensar que talvez tivéssemos a mesma postura caso inseridos naquele contexto.
A parte subterrânea do memorial, que conta a história da perspectiva de pessoas comuns, foi a que mais me tocou. Você vê que ninguém acordou do dia para a noite "odiando" judeus. A ruptura começou sútil. A história começa a ser contada muito antes do que efetivamente foi o Holocausto. Começa com uma proibição de entrada de judeus em piscinas públicas. Propagandas. E as pessoas foram comprando a ideia. Um “inimigo” comum que os unia. E aquele seu vizinho judeu, que nada fez para você, de quem você costumava comprar carne, foi se tornando alguém a ser desprezado. Ainda que você internamente não cultivasse nenhum sentimento negativo por ele, você não seria bem visto pela sociedade caso se relacionasse com ele. Você silenciou. O ódio foi crescendo. As crianças cresceram aprendendo isso.
Há imagens. É pesado. E esses passaram a ser os valores vigentes. Quem pensava diferente era uma ameaça à família alemã. Vozes dissonantes se calaram. E o final da história você conhece.
Nos relatos de pessoas que vivenciaram os fatos é recorrente o pesar. No início, grande parte das pessoas não sabia exatamente o que estava acontecendo, o que eram os campos de concentração, as execuções. Contudo, é evidente que a situação só chegou a este ponto graças à forma com que a ideologia havia se espalhado, graças às vozes dissonantes que se calaram nos anos que antecederam, quando o que crescia era a ideia de inferioridade daquele grupo de pessoas e não a violência física contra eles.
A história neste museu é contada e ilustrada. Vemos fotos, vídeos, pertences pessoais. Vemos os semblantes das pessoas, prestes a entrar em um trem sem saber do destino que as esperava. É tudo muito impactante.
Passei a me perguntar se pessoas defensoras de discursos que condenam, julgam, excluem e inferiorizam outros seres humanos com base em algum princípio “moral” repensariam sua postura se fossem apresentadas a reflexões postas sob essa ótica, tendo como exemplo esse período triste da história humana.
Tudo que vimos ali, para mim, revelou e reforçou a importância de se posicionar, de não se calar.
Há um bocado de gente reclamando do que chamam de “era do mimimi”. Bradam que a “patrulha do politicamente correto enche o saco”, que não se pode mais “fazer nenhuma brincadeira ou piada”. Eu fico internamente radiante quando ouço isso. Eu dobro a patrulha. Há quem confunda isso com cerceio da liberdade de expressão, mas uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. Você tem a liberdade de expressão para falar o absurdo que for e, eu, tenho a mesma liberdade de expressão para revidar, para não ouvir suas asneiras calada. Não há nada mais lindo, livre e responsável do que ter que lidar com as consequências dos nossos atos. É necessário.
Aliás, muitas vezes as pessoas disseminam ódio ou preconceito sem sequer ter refletido a respeito, porque aprenderam assim, por pura ignorância. Apresentar a elas outra perspectiva pode contribuir para que elas cresçam.
Ou não, pois nem todo mundo está pronto para ouvir, aceitar e respeitar o outro, o diferente. 2018, mas, ao menos no Brasil, apreciar a liberdade de cada um de escolher como quer viver é para poucos.
De qualquer forma, jamais se cale. Os eventos de maior desrespeito à vida humana da história foram antecedidos pela disseminação da ideia de diminuição de algum grupo de indivíduos, isso não pode se repetir.
Nunca novamente. O que você faz importa. |
A história nos dá a chance de aprender com ela. A visita ao Memorial do Holocausto é intensa e leva você a concluir que, sim, precisamos lembrar. Precisamos refletir e, mais do que nunca, precisamos não nos calar.
Dica: se tiver oportunidade de visitar este Memorial e se você entende inglês, acompanhe a “visita guiada” no subterrâneo, a experiência fica ainda mais rica. A entrada é gratuita.