Eu e o meu nariz

Faz tempo que ele me incomoda. Está ali, no meio da minha cara, com seu ossinho saliente um pouco torto, ás vezes me passando a impressão que está ficando caído com o passar dos anos.

O meu nariz. Eu resolvi há um tempo que quando possuísse reais para ajeitá-lo eu o faria.

Chegou esse momento da minha vida, que enfim, eu teria condições de pagar por um nariz mais bonito. Daria pra fazer. E eu achei que iria. Comecei a pensar em um cirurgião, fui marcar consulta, falei pra todo mundo que faria.

E todos apoiaram. Ninguém fala que meu nariz é horrível, tampouco que é bonito. É um narizinho de normal para feio. Ele está ali, no meio da minha cara, não chega a ser um nariz que se destaca na multidão, daqueles que definem a pessoa como "nariguda". Mas também não dá pra dizer que é um nariz bonito, então, vai lá e faz.

E eu ia fazer mesmo. E eu ficaria mais próxima do que a maioria das pessoas acha "bonito" se fizesse. E ontem eu me perguntei por quê mesmo? Pra ficar mais bonita né. Esse é um argumento que é válido pra tudo, pra ficar mais bonita. Todo mundo entende, todo mundo se submete, pra ficar mais bonita. Não, não todo mundo. Mas a maioria das pessoas sequer discute, se é pra ficar mais bonita, ah, então tá.

Aí eu pensei, será que eu preciso ficar mais bonita? Acho que quase todo mundo quer ficar mais bonito. Quer ser admirado, amado não é? Mas vamos ser sinceros, eu não vou alcançar o padrão. A maioria não alcança o padrão. Mas todos ficam correndo atrás, feito sedentários caquéticos tentando acompanhar a São Silvestre, não dá gente, não dá.

E pra quê isso mesmo? É assim importante ser bonita? O tempo passa, passa pra todo mundo, a beleza passa (ou melhor, isso que a gente se acostuma a entender como beleza), a idade chega, as rugas aparecem, os seios caem, a vida segue, e o meu nariz mais bonito vai me servir pra quê mesmo?

Aí eu pensei que eu não sei se vale a pena gastar dinheiro tentando ser mais bonita, eu não sei se eu quero, eu definitivamente não preciso.

E há um certo conforto em aceitar que sou essa pessoa de nariz um pouco fora do padrão, que está feliz em descobrir que não se importa tanto assim com seu  nariz despadronizado.

Eu nem saberia dizer quem de fato eu sou, mas o que eu quero é continuar crescendo e me descobrindo, e me cercar de gente que queira mais da vida do que um nariz perfeito e ser julgado e valorizado de acordo com o que veste ou consome.

E o meu nariz vai continuar assim estranho no meio da minha cara, porque eu sou muito mais do que um nariz torto. Eu tenho muito o que mudar e amadurecer, mas o que precisa mudar de verdade não está no meio da minha cara nem é visível aos olhos.

E eu sei que quem vale a pena de verdade vai descobrir isso sem julgar minhas milhões de imperfeições físicas e sem buscar estar ao lado de alguém que se enquadre naquilo que nos fazem acreditar que é BONITO.

"A obrigação de nos enquadrarmos num modelo aflige e frustra a grande maioria de nós. Poucos conseguem ser originais: calçamos o mesmo tênis, vestimos roupa de um mesmo tamanho, usamos o mesmo cabelo, sorrimos com os mesmos dentes, temos o mesmo ar desanimado ou delirante - porque nos drogamos seja com o que for para aguentar.
[...]
E assim, membros da manada social, política, econômica, cultural, padronizados, desesperados ou fúteis, criadores ou robotizados, covardes ou heroicos, amorosos ou perversos, modernos mas assustados, carregamos a vida em vez de curti-la.
Com ela subimos a escada rolante pelo lado errado, na busca de algo que nos alegre ou conforte, ou nos diga quem somos e o que fazemos neste mundo belo e feroz, sob o olhar irônico dos mitos que inventamos." (Lya Luft - Múltipla Escolha).









Postagens mais visitadas deste blog

Hoje não, querida

Wanderlust

Mulheres que correm com os lobos